Urge modernizar o arcabouço jurídico criminal do Brasil
Para conter a impunidade, é indispensável endurecer as leis penais vigentes e maior envolvimento da sociedade por justiça efetiva
Por Coronel Ulysses*
Os poderes constituídos do País falharam na concepção da política nacional de segurança pública. É a percepção cristalina que se tem quando se reflete acerca da dimensão alcançada e a capacidade de intimidação imposta pelas principais organizações criminosas à sociedade. Ainda se percebe o desmanche do arcabouço jurídico criminal e a insipiente estratégia de tutela de nossas fronteiras. Essa nefasta situação decorre do fato de os poderes terem absorvido inescrupulosos princípios, conceitos e teorias garantistas.
O conjunto desses fatores alicerçou a impunidade, a crise de criminalidade, a insegurança e a violência vivenciadas em nosso cotidiano. Essa primeira abordagem limitar-se-á a histórica fragilização do arcabouço jurídico criminal pátrio. As demais questões abordarei em oportunidade futura.
De plano, é necessário compreendermos o objetivo do Direito Penal. A prima ratio desse ramo do direito é tutelar os bens jurídicos importantes para a vida em sociedade e, principalmente, sancionar atos atentatórios a esses bens. Assim, a norma penal vigente no Brasil tem duplo objetivo – promover prevenção geral de delitos, através da intimidação psicológica decorrente da cominação de punições aos cidadãos violadores do direito, e o escopo retributivo. Este consiste na realização de justiça, i.e., na punição efetiva proporcional daqueles que violarem a lei penal.
Mas, infelizmente, e para prejuízo da sociedade, o Direito Penal deixou de cumprir ambos os propósitos conceituais. Diante dessa triste realidade pode-se afirmar que as leis penais ora vigentes não são capazes de, efetivamente, intimidar os integrantes das narco organizações criminosas. Aí então paira na coletividade o sentimento de injustiça face às barbáries cotidianas perpetradas por criminosos – não raro, estes recebem penas pífias pelos males que causam. E, desse modo, o nosso ineficiente sistema penal contribui, substancialmente, para o crescente aumento da impunidade.
Objetivamente, nossa legislação criminal é falha no âmbito material e no formal. É leniente ao prever penas insignificantes e, extremamente burocrática, quando define como os delitos serão apurados para que o direito seja aplicado. A soma desses dois fatores possibilita ao criminoso vantagens e o estímulo para violar às leis. Assim, como qualquer consumidor que vai às compras, o criminoso avalia os fatores favoráveis e desfavoráveis, bem como os riscos de sofrer sanções caso seja plotada sua ação delituosa. Nesse sentido, as leis criminais brasileiras são um convite à atividade criminosa.
Dentre as aberrações mais repugnantes de nosso compêndio legislativo criminal, considero controverso e estimulante à criminalidade: o sistema de progressão de pena, que possibilita ao criminoso mesmo diante de infrações graves – como o homicídio e o roubo – iniciar o cumprimento da pena no regime semiaberto ou aberto; a extensão excessiva da menoridade penal, que há muito deveria ter sido revista; a remissão de pena pelo trabalho e pela leitura, quando tais práticas são obrigatórias em diversos países e não impactam na redução de pena; a brandura das penas previstas para delitos de natureza grave, dentre os quais o tráfico de drogas e o sequestro, e os casos de reincidência de qualquer natureza.
O nosso Código de Processo Penal deveria impor investigações objetivas e despedidas da superabundância formal e ineficaz, representada pela enfadonha busca pela verdade real e pelo ultrapassado inquérito policial, que exigem “esforço burocrático” dos órgãos judiciais e policiais, em detrimento da investigação de fato e da consequente punição do autor. Ademais, o zelo excessivo pela forma imposto em nosso Código de Processo Penal, engessa a ação penal e transforma a Justiça Brasileira em paraíso da impunidade, representada pelos excessos de liminares, cautelares, habeas corpus e mandados de segurança contra decisões judiciais e recursos internos contra o que acabou de ser decidido.
Curiosamente, importantes personagens das organizações mafiosas italianas fugiram para o Brasil, como Tommaso Buscetta e o terrorista Cesare Battisti. Este último recebeu asilo político em nosso país, apesar de pesar contra si condenação à prisão perpétua na Itália. E esses não foram os únicos criminosos internacionais famosos a buscar refúgio no Brasil. O assaltante Ronald Biggs é outro exemplo.
Responsável pelo roubo mais memorável da Inglaterra, Biggs também buscou nosso país, onde se tornou uma personalidade. Biggs quando indagado por que motivo escolheu o Brasil para refugiar-se respondeu cinicamente: “precisava sumir da Europa, então fui analisar a legislação de diversos países da América do Sul e descobri que no Brasil eu teria maiores chances de não ser extraditado, caso a polícia britânica me localizasse”.