Liderança indígena do Acre que teve encontro com papa Francisco lamenta sua morte e relembra atenção voltada para a Amazônia
Milhares de pessoas de diferentes lugares do mundo se despedem do papa Francisco, que morreu na segunda-feira, 21, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC), seguido de um quadro de insuficiência cardíaca irreversível. No coração da Amazônia, Kate Yuve Yawanawa, conhecido como Pai Nani, relembrou seu encontro com o Santo Padre em 2023, quando entregou a oração do “Pai Nosso” na língua Yawanawá, da família linguística Pano.

Ao longo de seu pontificado, o papa falou abertamente a favor da preservação da Amazônia e dos direitos dos povos indígenas, defendendo a importância de aliar os conhecimentos indígenas e a ciência no combate aos efeitos das mudanças climáticas. Em diversos discursos, levantou a voz em favor dos povos originários e sua importância para a preservação.
“O diálogo aberto entre o conhecimento indígena e as ciências, entre as comunidades de sabedoria ancestral e as das ciências pode ajudar a enfrentar questões cruciais como a água, as mudanças climáticas, a fome e a biodiversidade de uma forma nova, mais integral e mais eficaz”, discursou ele durante a conferência “O Conhecimento dos Povos Indígenas e as Ciências”, ocorrida em março de 2024 no Vaticano.
O encontro
Já o encontro da liderança Pai Nani com o papa Francisco ocorreu em 22 de agosto de 2023, durante audiência geral do líder católico com fiéis no Vaticano. Em um quadro, o indígena fez a entrega e falou rapidamente com o Papa.
Para ele, ao defender os povos originários e a floresta Amazônica, o pontífice reforçou ao mundo a importância da região para o mundo e tornou a igreja católica mais inclusiva.
“A entrega do Pai Nosso na nossa língua foi uma forma de dizer que os povos da Floresta respeitam o papa. Para mim, foi um prazer, privilégio de pegar na mão dele e poder entregar uma oração conhecida no mundo inteiro para que ele entendesse que também temos o Pai Nosso em nossa língua. Me senti honrado e agora senti muito em perder essa liderança mundial para os povos do mundo. Daqui da floresta sinto muito a perda desse religioso”, disse o pajé.

Pai Nani também lembrou que o papa chegou a reconhecer o impacto da colonização aos povos originários. Durante encontro com líderes indígenas no Canadá, em 2022, papa Francisco chegou a dizer: “Peço perdão humildemente pelo mal que tantos cristãos cometeram contra os povos indígenas”.
A liderança acredita que papa Francisco usou a potência de sua voz para acolher, incluir e chamar a atenção do mundo para a Amazônia.
“Ele era realmente um homem de Deus, de bom coração, e a palavra dele todo mundo ia poder ouvir, porque é um líder religioso falando dos povos indígenas, que poderia amenizar, ensinar ao povo sobre povos nativos que vivem na floresta. A gente poderia construir um novo mundo para a nova geração que vai vir, porque esse mundo que estamos hoje é uma sociedade de muita vergonha, e ele, como Papa, poderia mudar por meio de suas palavras”, destaca.
Do alto do Rio Gregório, na Aldeia Sagrada, o povo Yawanawá exibe esse encontro com orgulho. Os pôsteres da entrega e do Pai Nosso emoldurados são expostos na aldeia, uma forma de lembrar do líder religioso que abriu diálogo com os povos originários, deixando um legado de respeito.
‘Grande xamã’
Para o pajé, a oração na língua materna teve a simbologia de união e respeito a diferentes culturas.
“O papa parou para que pudesse entregar a tradução no quadro e disse que iria nos convidar novamente para uma conversa, mas agora ele fez sua passagem. A intenção era mostrar que Deus existe em todo lugar e eles pregam de uma forma e nós temos o nosso jeito”, disse.
Sobre a morte do Santo Padre, ele disse que é uma perda grande, não só de um aliado, mas também de um exemplo para o mundo.
“A gente sente muito porque não sabemos como será o outro Papa. Senti como se tivesse perdido um grande xamã, de grande conhecimento, que suas palavras eram curandeiras partiam do seu coração, do amor e todas as coisas do amor vêm de Deus. Eu acreditava que ele era um homem de Deus. Só lamento muito, mas temos que saber que é uma lei divina, que todos que nasceram irão fazer a passagem. É uma lei divina”, finaliza.
O governador Gladson Camelí vê o encontro de lideranças indígenas acreanas com o papa como uma forma de pioneirismo no estado. “Isso mostra que o Acre sempre esteve encabeçando os principais debates em torno do mundo sobre questões ambientais e direitos indígenas, levando representantes do nosso estado em locais de destaque e que lutam para terem suas vozes ouvidas e ecoadas. Sou um defensor da preservação do conhecimento tradicional e do papel importantes que os povos indígenas cumprem na proteção de nossas florestas, contribuindo para um desenvolvimento sustentável não só no Acre, mas no mundo”.

Comoção
A morte do papa comoveu todo o mundo. Apesar do estado de saúde delicado do líder maior da igreja católica, a morte do papa Francisco pegou a todos de surpresa.
No Acre, o governador Gladson Camelí decretou luto oficial de sete dias. Como forma de homenagem, a bandeira do Estado foi hasteada a meio mastro na Gameleira, um dos principais pontos históricos e culturais de Rio Branco, capital acreana. O ato simbólico reflete o sentimento de pesar da população e a relevância de Francisco para a fé católica e a comunidade internacional.
Em nota, o chefe de Estado lamentou profundamente a morte do papa e ressaltou seu papel de transformação na Igreja Católica: “Obrigado pelos ensinamentos e por ensinar ao mundo sobre amor ao próximo. O papa Francisco foi um símbolo de renovação da igreja nesses tempos em que a paz, a fé e a esperança tornam-se cada vez mais indispensáveis”, afirmou.
A titular da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Acre (Sepi), Francisca Arara, diz que a criação desse setor fortaleceu não só a política pública para a comunidade indígena, mas incluiu os povos originários nas tomadas de decisões.
Para ela, algo fundamental que fortalece a presença de líderes em eventos de relevância mundial.
“Quase todos os estados têm representação dos povos indígenas, seja secretaria, superintendência ou alguma representação dos indígenas na esfera estadual. Isso vem para cada vez mais fortalecer o diálogo com outras secretarias, instituições e hoje nós falamos por nós, levando nossas vozes para as conferências internacionais sobre clima e outros eventos importantes. E, como Sepi, estamos aqui para discutir e melhorar as políticas no estado”, completa.

‘Defesa de direitos indígenas’
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) divulgou nota de pesar e reconheceu a contribuição do pontífice para o debate envolvendo os povos originários e a questão da Amazônia.
“O grande marco da defesa do líder da igreja católica foi a realização do Sínodo da Amazônia, na cidade do Vaticano, em outubro de 2019. Foi a primeira assembleia eclesiástica dedicada a falar sobre as questões relacionadas à maior floresta tropical do mundo. Nela, lideranças indígenas da Amazônia juntaram-se a bispos, pastores, missionários e religiosos para falar sobre a situação da Igreja na região amazônica, meio ambiente, povos indígenas e ribeirinhos. Foi um espaço de escuta, reflexão e debate sobre a crise ecológica que atravessa o bioma”, frisa a nota.
Destacaram também que o reconhecimento feito pelo papa Francisco sobre a importância dos povos originários foi um gesto necessário de valorização e visibilidade aos indígenas que foram historicamente violentados, diversas vezes pela própria igreja católica.
“Ao reconhecer o valor da sabedoria ancestral, o papa destacou a relevância dos conhecimentos tradicionais como parte essencial no enfrentamento da crise climática. Ao denunciar abertamente as ameaças e violências enfrentadas pelos povos indígenas, lançou um novo olhar para a Amazônia, voltado para seus guardiões, renovando a luta por um mundo mais justo para todos os povos. Isso demonstrou a vontade do papa Francisco de cultivar uma igreja mais inclusiva, que reconhece e respeita as culturas e modos de vida indígenas, deixando um legado de defesa dos direitos indígenas”.
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