Imigrantes acampados em ponte na fronteira do Peru começam a voltar para abrigos no Acre
Imigrantes estão instalados em uma escola de Assis Brasil, que faz fronteira com o Peru — Foto: Arquivo/Assistência Social
Após o confronto com a polícia no Peru e o regresso para o Acre, parte do grupo de imigrantes aceitou ser levado para um abrigo na cidade de Assis Brasil, interior do estado acreano. Esse grupo é composto por mulheres, crianças, grávidas e alguns homens.
Os demais imigrantes, que não aceitaram a proposta da prefeitura acreana de retornar aos abrigos, ficaram acampados na Ponte de Integração, onde estavam desde domingo (14). A prefeitura disse que ainda contabiliza o número de instalados na Escola Edilsa Maria Batista, mas antecipou que há pelo menos 56 crianças.
Nessa terça-feira (16), a tensão na fronteira aumentou após os imigrantes enfrentarem a polícia peruana e invadirem a cidade de Iñapari depois de ficarem três dias acampados na ponte do lado brasileiro. Houve confronto com o exército peruano, que levou cerca de duas horas para reunir os imigrantes em um campo de futebol e os expulsarem da cidade.
O governador do Acre, Gladson Cameli, decretou, nesta terça, situação de emergência devido à cheia dos rios, que desabriga mais de 150 famílias, surto de dengue, crise migratória na fronteira do Acre com o Peru e a falta de leitos de UTI para pacientes com Covid-19.
“Não tinha ordem do governo do Brasil para impedir o regresso deles e ficaram no meio da ponte, sendo que muitos estavam machucados pelo confronto e nós voltamos com o trabalho de atendê-los. Pedi para que os líderes, que já tinham sido identificados, viessem no gabinete, conversei com os dois e pedimos para colocarem no abrigo mulheres e crianças, mas os homens querem permanecer na ponte para fazer o bloqueio para que não tenha a entrada de carretas. Há circulação de carretas com mercadorias lá do Peru e acham que essa é uma forma de continuar pressionando”, explicou o prefeito de Assis Brasil, Jerry Correia.
Parte dos imigrantes decidiram permanecer na Ponte de Integração para evitar a passagem de caminhões e mercadorias do Peru — Foto: Arquivo/Assistência Social de Assis Brasil
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Os imigrantes, em sua maioria haitianos, tem o objetivo de atravessar para o lado peruano da fronteira e, de lá, seguir para o Equador e México.
O grupo estava retido na cidade morando em abrigos porque a fronteira do Acre com o Peru foi fechada devido à pandemia. A maioria dos imigrantes está retornando do Sul, Centro-Oeste e Sudeste do país, segundo a prefeitura da cidade acreana.
Ainda não há informação sobre o posicionamento do governo peruano com relação ao grupo. O G1 tentou contato com o Itamaraty e também com Consulado do Peru no Acre, mas não obteve retorno até esta publicação.
Volta para abrigos
O prefeito Jerry Correia contou que mais imigrantes devem chegar à cidade nos próximos dias. Com isso, a gestão já se planeja para montar um segundo abrigo na Escola Iris Célia Cabanellas. Novamente no lado acreano, os imigrantes recebem assistência médica, comida, água e atendimentos pelas equipes de Assis Brasil.
“Muitos estão na rua por opção, ficam circulando nas praças, mas, a maioria está na ponte. O Exército do Peru precisou de duas horas para detê-los. Colocaram em um campo de futebol, usaram da força sem armamento letal, o que evitou uma grande tragédia, mas as forças de segurança conseguiram colocar ordem e mandá-los para o lado brasileiro”, acrescentou.
O Grupo Especial de Fronteiras (Gefron) acompanhou a volta dos imigrantes para o lado brasileiro. Já no final da tarde dessa terça, a cidade recebeu um reforço policial com a chegada do agrupamento de Choque da Secretaria de Segurança Pública do Acre (Sejusp).
“Chegaram 18 homens do Choque, Polícia Militar também já tinha sido reforçada, o Gefron está fazendo a fiscalização e o Exército ainda não se manifestou, mas estamos aguardando a chegada de mais imigrantes. Eles utilizam de todos os meios, têm a autorização de circular livremente no país e enquanto não for decretado algo nesse sentido chegam no aeroporto de Rio Branco e vêm para Assis Brasil”, complementou o prefeito.
Tensão na fronteira do Acre aumentou nessa terça-feira (16) — Foto: Jefson Dourado/Arquivo pessoal
Confronto
Ousmane Diallo, natural de Guiné, falou que está há dois anos no Brasil e que procura uma vida melhor. Ele diz que o grupo decidiu voltar porque ficou com medo de represálias da polícia peruana.
“Massacraram [policiais peruanos] haitianos, massacraram outras pessoas. Bateram em um monte de gente, mas, graças a Deus, estamos aqui recebendo apoio da Assistência Social da cidade [Assis Brasil], que está dando suporte de todas as necessidades que precisamos”, disse.
Segundo ele, os comandantes da polícia peruana chegaram a pedir os documentos de alguns deles para tentar liberar a passagem.
“Tentamos conversar, ninguém é violento, somos imigrantes, pessoas em busca de uma vida melhor. Voltamos para o lado brasileiro, porque as polícias estão cuidando, de maneira mais carinhosa, não precisa violência”, afirmou.
Ele conta que chegou ao Brasil há dois anos e morou em São Paulo, mas, segundo ele, a crise fez com que eles quisessem ir embora. “Piorou tudo, estava trabalhando em um frigorífico. Quero tentar outra maneira, porque sempre existem planos A, B e C. Eu quero chegar nos Estados Unidos”, contou.
O governo do Acre informou que está reunido com a bancada federal juntamente com governador e Itamaraty por videoconferência. “Por enquanto, a solução é a diplomacia brasileira buscar um acordo com o Peru para os imigrantes passarem e seguirem viagem”, disse a porta-voz do governo, Mirla Miranda.
Vídeo mostra momento em que imigrantes invadem lado peruano
Prefeito quer Exército na fronteira
O prefeito de Assis Brasil disse que na videoconferência pediu ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a volta do Exército Brasileiro nas fronteiras, como aconteceu no ano passado.
“É uma questão humanitária, não podemos negar alimento a essas pessoas, os que chegarem ao nosso abrigo, vamos alimentar e vamos cuidar. Cobramos a presença das forças armadas, Exército se retirou da ponte ainda em novembro do ano passado, não compreendemos porque foi o momento de maior confronto na fronteira. Ou faz isso ou pedimos que se interrompa esse fluxo de pessoas que querem sair do Brasil via Acre ou que se crie um corredor de acesso no Peru para que possam seguir viagem”, disse Jerry Correia.
O atual gestor criticou ainda a morosidade do governo federal em tomar medidas efetivas contra a crise imigratória.
“Nós colocamos os fatos: essa crise migratória é de competência do governo federal. Então, não entendemos a inércia desse período de quase um ano de não ter uma solução, de não ter uma atitude efetiva nesse local”, acrescentou o prefeito.
Ainda no ano passado, a cidade recebeu um aporte financeiro de R$ 160 mil do governo federal que, segundo Correia, foi usado para a construção de um abrigo que deve ser entregue no dia 24 de fevereiro.
A entrega dessa obra deve desafogar as escolas que são usadas para acomodar esses imigrantes. Além disso, a cidade recebeu ainda mais R$ 130 mil do governo do estado. A prefeitura tem usado esse dinheiro para alimentação e apoio a esse grupo.
“Temos uma população carente para cuidar e quando temos que dedicar esforços, recursos financeiros e pessoal pra tomar conta dos imigrantes que chegam em Assis Brasil. Não temos como negar que deixamos de amparar grande parte da nossa população. A prefeitura de Assis Brasil não tem capacidade financeira, nem estrutural nem de pessoal para atender tanta gente”, desabafou.
Calamidade pública
Com a chegada dos imigrantes desde o início de fevereiro, a cidade de Assis Brasil voltou a decretar situação de calamidade pública, após receber mais de 400 imigrantes em pouco mais de duas semanas. A medida permite agilizar serviços e procedimentos legais e administrativos que ajudam a conter a disseminação da pandemia da Covid-19 e da crise humanitária.
O documento apresentado pela prefeitura tem data dessa segunda (15), porém, ainda não saiu na edição do Diário Oficial do Estado (DOE).
Imigrantes ivandem lado peruano após romper barreira policial — Foto: Reprodução
Em abril do ano passado, a cidade já tinha decretado situação de calamidade pública, quando recebeu mais 300 imigrantes instalados em abrigos do município.
O decreto deve ser encaminhado para Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) para poder ser reconhecida da situação de calamidade.
Assis Brasil registrou até a segunda, 12 óbitos pela Covid-19 e 1.036 casos confirmados da doença, no boletim da Sesacre.
Imigrantes ocupara a Ponte da Integração, em Assis Brasil — Foto: Jefson Dourado/Rede Amazônica Acre
Entenda o caso
Os imigrantes começaram a ficar retidos na cidade de Assis Brasil desde o ano passado, quando as fronteiras do Acre com Peru e Bolívia foram fechadas devido à pandemia. O grupo havia entrado no Brasil em anos anteriores tentanoi melhorar de vida. Entre 2013 e 2014, houve um crescimento na entrada desses imigrantes no Brasil.
Com a pandemia crescendo no Brasil, os imigrantes que estavam no Sul e Sudeste do país, resolveram sair do Brasil usando mais uma vez o Acre como rota. No ano passado, a prefeitura já havia decretado emergência devido ao fluxo.
Em outubro, o então prefeito de Assis Brasil, Antônio Barbosa, informou que a cidade já tinha gastado mais de R$ 1 milhão para fornecer alimentação, alojamento entre outros serviços e afirmou que a situação era crítica.
Em janeiro deste ano, a situação estava controlada e havia poucos imigrantes nos abrigos da cidade. O atual prefeito, Jerry Correia, informou que um abrigo estava sendo construído em um prédio público, de propriedade do governo federal, e que foi cedido ao município para atender esses imigrantes.
Porém, os imigrantes voltaram a ir para a fronteira e no domingo (14) se rebelaram, saíram dos abrigos e acamparam na Ponte da Integração, que liga a cidade acreana de Assis Brasil, à fronteira com o Peru. O grupo quer que a polícia peruana abra o acesso para que eles sigam para Equador e México.
Tanto o lado brasileiro, como o peruano estavam dando suporte para alimentação e fazendo a segurança no local, mas, na manhã desta terça (16), o grupo se recusou a receber ajuda.
Colaborou Jefson Dourado, da Rede Amazônica Acre.