Há 60 anos, prefeito era assassinado a tiros durante comício no Acre
terra batida e muito empoeiradas por conta do verão e da estiagem que castigavam toda a região, Brasiléia, com suas pouco mais de mil almas habitando a zona urbana de um dos sete municípios do Acre, saído da condição de território para a de Estado apenas um ano antes, estava agitada naquela manhã do dia 23 de agosto de 1963.
A agitação era grande porque, naquela noite, os principais líderes da UDN e do PSD, partidos coligados que faziam oposição cerrada ao PTB, partido do governador José Augusto Araújo e que estava no poder estadual e na presidência da República com João Goulart no Palácio do Planalto, fariam um comício no arremedo de cidade com vistas às eleições do ano seguinte, que, afinal, nem ocorreriam porque, no dia 31 de março de 1964, os militares depuseram o governo e proibiram eleições diretas no país.
Em altos falantes e megafones, com cabos eleitorais se esgoelando em carros de boi, era anunciado “que logo mais à noite, ali nos Três Botequins”, lideranças como Wanderley Dantas (deputado federal) e Wildy Viana (filho da terra e deputado estadual) e outros próceres da UDN e do PSD poderiam ser ouvidos e vistos de perto no comício.
Era um acontecimento e tanto para uma cidadezinha que só via festas em datas cívicas ou religiosas, como em 3 de Julho, que marca a data de fundação do povoado por um certo Luiz Barreto de Menezes, ou nos dias 4 de outubro, Dia de São Francisco, padroeiro da cidade, ou em 20 de janeiro, Dia de São Sebastião, o padroeiro de Epitaciolândia, a vilazinha então anexada à Brasiléia.
Passados 60 anos daquela manifestação, há dúvidas se o então líder das oposições estaduais, José Guiomard Santos, senador da República que havia perdido o governo para o jovem José Augusto de Araújo, estava no comício. Se Guiomard estava ou não no local, se foi protegido ou não por aliados em relação à história, Guiomard teria tido razão em esconder-se. Afinal, o que deveria ser um comício seguido de muita festa, acabou em tragédia com o pastor Corinto morto na hora, com um tiro na nuca, e o prefeito Rolando de Paula Moreira ferido de morte, e um sem número de pessoas feridas à bala. Foi um dos grandes tiroteios ocorridos na cidade – só comparado, em quantidade de tiros, ao que iria acontecer, em julho de 1980, na chamada Estrada para Assis Brasil, na execução do gerente de fazenda Nilo Sérgio de Oliveira, morto com mais de 50 tiros por um grupo de seringueiros enraivecidos para vingar a morte do então presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Brasiléia, Wilson Pinheiro de Souza, assassinado sete dias antes dentro da sede da entidade e cuja morte fora atribuída ao fazendeiro.
Enquanto o corpo de “Nilão”, como o gerente de fazenda era conhecido, ficou, no dizer de um dos participantes do tiroteio, “igual a uma tábua de pirulito”, com mais de 50 tiros e perfurações, de armas de marcas e calibres diferentes, em Brasiléia também foram disparados tiros na mesma proporção, só que a esmo, sem que uma pessoa específica fosse mirada. Resultado: além de dois mortos, mais de uma dezena de pessoas feridas, como o comerciário Joel Barros Cavalcante, então funcionário das Casas Pernambucanas e falecido no passado, com um tiro no pé, e o comerciante Atanagildo de Paula Moreira, o “Gildo”, irmão do prefeito Rolando, com um tiro na mão.
A indicação de que as balas foram disparadas a esmo entre a multidão, durante as investigações, no entanto, levantaram algum tipo de suspeição em relação à morte do pastor Corinto, que nada tinha a ver com a confusão e acabou sendo alvejado com um tiro certeiro, na nuca, como se alguém o alvejaram propositadamente, à queima roupa. Crime parecido com uma execução, proposital.
Uma mistura de religioso e de enfermeiro, o Pastor Corinto estava a caminho – ou já no retorno, em carro próprio, acompanhado de uma mulher, para ajudar num parto numa região da zona rural, próximo à cidade. Ao passar na frente do chamado “Três Botequins”, ao ver confusão e o tiroteio, o religioso parou, curioso. Só foram perceber quando ele estava morto quando a mulher que estava a seu lado no carro viu o sangue escorrendo de sua nuca, com uma bala certeira.
A dúvida levantada de que ele possa ter sido confundido com o prefeito Rolando de Paula Moreira, muito suscitado na época, é que ambos tinham a mesma estatura e usavam o mesmo corte de cabelo, aquele do tipo militar, embora fossem civis. “Eu era criança, mas, ao longo do tempo, ouvi muito essa história da semelhança entre meu tio e o pastor, por causa do corte de cabelo parecido”, conta o jornalista Astério Moreira, ex-vereador de Brasiléia e em Rio Branco e ex-deputado estadual, que tinha, na época do episódio, apenas dois anos de idade. “Mas essa história era contada dia após dia na nossa família e isso me marcou muito”, acrescenta Asterinho, que é filho de Astério Moreira, um dos quatro irmãos do então prefeito, que também saiu ferido da confusão.
Outro jornalista, Suede Chaves da Cruz, natural de Brasiléia, embora ainda criança, também tornou-se personagem involuntário daquela história sangrenta. Nos seus sete ou oito anos de idade, ele não se lembra bem. Suede Chaves diz que acordou na manhã seguinte – dia em que os petebista pranteavam a morte de seu líder máximo, o então presidente Getúlio Vargas, que se suicidou num ato de desespero, no Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1954, e mesmo na sua inocência de menino, percebeu que alguma coisa grave havia acontecido ali em sua cidade. “Vi a farda do meu pai, que era da Guarda Territorial, estendida e manchada de sangue. Nunca me esqueci disso”, diz Suede Chaves, filho de José Chaves, que fazia às vezes de escrivão de polícia na delegacia local. Suede Chaves foi outro que cresceu ouvindo histórias sobre aquele episódio no qual seu pai chegou a se envolver inclusive como escrivão.
“Não sei maiores detalhes. O que sei foi que a confusão foi grande, segundo o que contava meu pai, a tragédia só não foi maior porque muita gente conseguiu fugir do tiroteio, a nado pelo rio, e foi refugiar-se do outro lado, em Cobija”, revelou o jornalista.
Um dos que escaparam a nado para a Bolívia na época foi o então deputado estadual Raimundo Chaar, o “Caboclo Char”, ex-militar do Exército e que, ao depor sobre o caso, dias depois, compareceu à delegacia envergando a farda e com uma criança de colo nos braços. “Foi um tempo difícil, de muita tensão para uma cidadezinha tão pequena na época. Era um clima brabo mesmo”, contou Suede Chaves.
Rolando Moreira foi nomeado prefeito há pouco mais de oito meses no cargo. Ex-militar, o que explicaria o corte de cabelo parecido com o do pastor que seria assassinado naquela tragédia, Rolando Moreira também era um pequeno comerciante, profissão de praticamente todos os irmãos Moreira. Se tornou prefeito da cidade em que nasceu quase que por acaso.
Um dos irmãos de Rolando, Francisco Evangelista, o “Vanju”, o único sobrevivente do grupo de cinco irmãos, com 94 anos de idade, era um jovem empresário retornando de uma viagem ao Rio de Janeiro, então capital do país, quando conheceu o então governador José Augusto de Araújo, a bordo do avião. O avião que deveria vir ao Acre teve algum problema mecânico e os passageiros tiveram que fazer uma conexão no Estado do Mato Grosso, por vários dias seguidos. Foi ali que “Vanju” Moreira e José Augusto travaram o que viria a ser uma sólida amizade, a qual levou o governador a convidar o empresário a ser o prefeito nomeado de Brasiléia, até o ano seguinte, quando haveria eleições. “Vanjunão aceitou a proposta, mas lembrou que tinha um irmão, Rolando, recém-saído do Exército e que tinha, ao contrário dele, pendores para a política. José Augusto aceitou a sugestão e, dias depois, Rolando Moreira foi nomeado prefeito. Os irmãos Moreira, o governador percebeu, gozavam de muito prestígio entre seus conterrâneos e eram as pessoas ideais para o projeto político do governador, de fazer crescer o PTB, seu Partido, na região.
Rolando Moreira assumiu o cargo e logo começou a trabalhar no município, sendo o primeiro prefeito da história a levar para Brasiléia os primeiros metros de pavimentação asfáltica para combater a lama e a poeira das ruas de terra batida de uma cidade ainda em formação. Foi também o autor da ideia do plantio de benjamins, as árvores ornamentais que enfeitam as ruas da cidade. Uma das ruas beneficiadas com asfalto naquela curta ministração foi a que hoje leva o nome de Avenida Rolando Moreira, que era conhecida na época como Rua do Comércio.
Naquela noite de 23 de agosto, que parece ainda não ter terminado para a família Moreira e seus descendentes, a oposição do PSD e da UDN ao bom desempenho da Prefeitura na cidade seria finalmente manifestada naquele comício na localidade conhecida como “Três Botequins”. Muita gente atendeu ao convite. “Parecia que a cidade toda estava naquele comício, me contava meu pai”, conta o empresário Francisco Moreira Neto, filho de Astério Moreira. “Por isso, quando começou o tiroteio, foi um deus nos acuda”, acrescenta Nelson Moreira, o “Nelsinho”, irmão de Francisco.
Mas, naquela noite, entre os espectadores do comício, havia pelo menos um personagem que ali, por suas ligações com o PTB e o grau de parentesco com os irmãos Moreira, na condição de cunhado, não seria bem vindo em hipótese alguma – ainda mais na condição do chamado tradicional “bêbado de comício”, aquele sujeito que, após ingerir umas e outras, vai a esse tipo de manifestação contestar o que é dito pelos participantes. Gentil Ferreira, cunhado do prefeito e dos demais irmãos Moreira, era também o delegado da cidade e por isso, tocado por umas doses a mais de Cocal, uma aguardente saborosa e largamente consumida na época, era o chamado “bêbado de comício” naquela manifestação e desmentia tudo o que diziam ou prometiam os oradores, todos adversários políticos de seus cunhados. À menor promessa dos oradores, ele gritava;
– É mentira! Abaixo a UDN! Abaixo o PSD!
E tome vaias, seguidas de gestos obscenos, com as mãos e dedos,o que passou a irritar os aliados da UDN e do PSD. Não demorou e alguém resolveu dar uma sova no delegado bêbado. Com Gentil Ferreira sendo espancado, algum participante do comício deixou o local e dirigiu-se à casa do prefeito Rolando Moreira, que estava dormindo, para avisar que o cunhado estava sendo agredido.
O prefeito chamou os demais irmãos e foram ao local do comício, todos armados. Foram recebidos à bala e também retribuíram os tiros, transformando o chamado “Três Botequins” num campo de batalha, uma autêntica praça de guerra.
Gravemente ferido, após a constatação da morte do pastor Corinto e de outras pessoas atingidas com os tiros, o prefeito Rolando Moreira ainda foi socorrido e trazido para Rio Braco, a Capital. Chegou a ser atendido pelo médico Ari Rodrigues, mas morreu, três dias após o tiroteio, na sala de cirurgia do Hospital de Base de Rio Branco.
“Foi uma comoção a chegada daquele corpo à cidade”, conta, nos dias atuais, o comerciante Licurgo Hassem, hoje com mais de 70 anos de idade e que, ainda adolescente, foi testemunha do desembarque do corpo de Rolando Moreira no pequeno aeroporto de Epitaciolândia. “O corpo foi levado em cortejo por toda Epitaciolândia até Brasiléia. Um momento que nunca esqueci na minha vida”, contou Licurgo.
Após 60 anos do crime, apesar de intensas investigações feitas na época, nunca se chegou à autoria dos disparos que mataram o prefeito e muito menos dos que atiraram na multidão e feriram várias pessoas. Gentil Ferreira, o pivô daquela tragédia, morreu de causas naturais, nos anos 90.
Embora aquela noite ainda não tenha terminado para a família Moreira, marcando seus descendentes pela tragédia, mesmo com a morte do prefeito Rolando, eles continuaram a militar na política. Dos irmãos, apenas Vanju Moreira não foi prefeito ou vereador da cidade, cargos ocupados, nos anos seguintes, por Orlando, Atanagildo e Astério Moreira, mesmo após a morte do irmão Rolando.
Naquele mesmo ano de 1963, quando Brasiléia buscava voltar à normalidade e superar o trauma da morte de seu prefeito, no dia 6 de dezembro, uma nova tragédia colocava a pequena cidade de novo no epicentro dos fatos trágicos no país: a morte, a tiros, do então senador Kairala José Kairala, filho do município.
Comerciante em Brasiléia, Kairala se tornou primeiro suplente de senador na chapa de José Guiomard Santos e assumiu o cargo interinamente por 90 dias, com a licença do titular para tratamento de saúde. Naquele final de ano, no último dia do mandato interino, quando posava para fotografias ao lado da família para registrar sua passagem pelo Senado Federal, eis que surge no plenário, já em Brasília, com revólver na mão e de forma ensandecida, o senador Silvestre Péricles. Ele queria matar o senador Arnon de Melo, seu adversário na política em Alagoas, que estava na tribuna, denunciando-o sob a acusação de corrupção. Arnon de Melo, pai do futuro presidente Fernando Collor de Mello, reage, atira, mas erra o alvo. Um dos tiros de sua arma foi alojar-se no peito do inocente Kairala José Kairala, que nada tinha a ver com a disputa política em Alagoas.
O tiro no plenário do Senado repercutiu em Brasiléia. Um dos irmãos de Kairala José Kairala, o comerciante Alberto Kairalla, o “Mano”, que teria recebido os irmãos Moreira à bala naquele comício, acabou recebendo a solidariedade da família do falecido prefeito e, a partir daí, unidas pela tragédia, as duas famílias passaram a se confraternizar. “Mano Kairala” também já é falecido. Mas isso é outra história, a ser contada um dia.
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